Amizades improváveis – e o que a corrida tem a ver com isso!

A corrida, nesse caso, cria um terreno neutro onde todas as mulheres partem do mesmo lugar: o desejo de superar limites, de cuidar de si, de viver algo novo. A barreira da diferença desaparece e amizades improváveis surgem

Por Marina Kocourek*

Voltamos há uma semana de uma viagem só de mulheres, onde, juntas, participamos de uma prova de corrida fora do país. Durante o retorno, me peguei observando como mulheres que partiram como desconhecidas voltaram unidas – e, algumas, até amigas. E percebi que esse movimento tem se repetido em todas as viagens que organizo.

O curioso é que, se essas mulheres se encontrassem em qualquer outro ambiente, talvez nem trocassem palavras. Seriam amizades improváveis. Mas em um espaço onde há uma paixão em comum, algo muda. A barreira da diferença desaparece. A corrida, nesse caso, cria um terreno neutro onde todas partem do mesmo lugar: o desejo de superar limites, de cuidar de si, de viver algo novo.

Nosso lifestyle molda nossa bolha de convivência. Ele dita, muitas vezes de forma silenciosa, com quem devemos nos relacionar, o que devemos valorizar, aonde devemos pertencer. Na medida em que mudamos – nossos valores, nossos corpos, nossas prioridades –, algumas amizades antigas perdem o sentido e novas conexões surgem, alinhadas com quem estamos nos tornando.

A improbabilidade de uma amizade pode vir de muitas formas: idade, contexto social, personalidade, preferências. Mas quando há uma paixão compartilhada, como o amor por correr, ler, pintar, dançar ou qualquer outro hobby que desperte alma e corpo, o improvável se transforma em possível. E às vezes até em eterno.

No caso da corrida, que é meu trabalho e também minha paixão, vejo isso com frequência. Mulheres que talvez jamais se encontrassem na vida real se tornam companheiras de treino, confidentes de jornada, parceiras de superação. E isso acontece porque, ao mergulhar em algo novo, muitas vezes deixamos aos poucos o grupo ao qual pertencíamos. Ou, no mínimo, começamos a nos dividir mais.

E aí surge o conflito: o grupo antigo se ressente. A crítica aparece. As novas atitudes incomodam. Abrir mão de certos costumes, mudar o corpo, transformar a rotina, criar novos vínculos – tudo isso mexe com o que parecia estático. E quem fica para trás, às vezes, reage com julgamento.

Mas não se deve parar por causa disso. A nova paixão, o novo hobby, o novo caminho precisa se encaixar na vida sem culpa. Porque se te faz bem, se te deixa feliz, ele é parte de quem você está se tornando. E as novas amizades – as amizades improváveis – que nascem desse processo serão suporte; são elas que caminharão ao seu lado nesse novo momento da vida e talvez se tornem raízes profundas de uma nova história.

No fim, cada fase da vida constrói sua própria bolha. E se essa nova bolha é feita de paixão, saúde, autoconhecimento e amizades verdadeiras, então que sorte a sua! Porque essa fase (por mais improvável que pareça) pode ser uma das mais felizes e significativas da sua trajetória.

* Marina Kocourek é atleta e empresária no comando da 220Volts, uma agência de viagens que busca levar grupos de mulheres para correr em diferentes lugares do mundo.